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8 de mar. de 2011

Eco e Narciso

Eco era uma bela ninfa, amante dos bosques e dos montes, onde se dedicava a distrações campestres. Era favorita de Diana e acompanhava-a em suas caçadas. Tinha um defeito, porém: falava demais e, em qualquer conversa ou discussão, queria sempre dizer a última palavra.

Certo dia, Juno saiu à procura do marido, de quem desconfiava, com razão que estivesse se divertindo entre as ninfas. Eco, com sua conversa, conseguiu entreter a deusa, até as ninfas fugirem. Percebendo isto, Juno a condenou com estas palavras:

- Só conservarás o uso dessa língua com que me iludiste para uma coisa de que gostas tanto: responder. Continuarás a dizer a última palavra, mas não poderás falar em primeiro lugar.

A ninfa viu Narciso, um belo jovem, que perseguia a caça na montanha. Apaixonou-se por ele e seguiu-lhe os passos. Quanto desejava dirigir-lhe a palavra, dizer-lhe frases gentis e conquistar-lhe o afeto! Isso estava fora de seu poder, contudo. Esperou, com impaciência, que ele falasse primeiro, a fim de que pudesse responder. Certo dia, o jovem, tendo se separado dos companheiros, gritou bem alto:

- Há alguém aqui?
- Aqui - respondeu Eco.

Narciso olhou em torno e, não vendo ninguém, gritou:
- Vem!
- Vem! - respondeu Eco.
- Por que foges de mim? - perguntou Narciso

Eco respondeu com a mesma pergunta.
- Vamos nos juntar - disse o jovem.

A donzela repetiu, com todo o ardor, as mesmas palavras e correu para junto de Narciso, pronta a se lançar em seus braços.

- Afasta-te! - exclamou o jovem, recuando.

- Prefiro morrer a te deixar possuir-me.
- Possuir-me - disse Eco.

Mas foi tudo em vão. Narciso fugiu e ela foi esconder sua vergonha no recesso dos bosques. Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das montanhas. De pesar, seu corpo definhou, até que as carnes desapareceram inteiramente. Os ossos transformaram-se em rochedos e nada mais dela restou além da voz. E, assim, ela ainda continua disposta a responder a quem quer que a chame e conserva o velho hábito de dizer a última palavra.

A crueldade de Narciso nesse caso não constituiu uma exceção. Ele desprezou todas as ninfas, como havia desprezado a pobre Eco. Certo dia, uma donzela que tentara em vão atraí-lo implorou aos deuses que ele viesse algum dia a saber o que é o amor e não ser correspondido. A deusa da vingança (Nêmesis) ouviu a prece e atendeu-a.

Havia uma fonte clara, cuja água parecia de prata, à qual os pastores jamais levavam os rebanhos, nem as cabras monteses frequentavam, nem qualquer um dos animais da floresta. Também não era a água enfeada por folhas ou galhos caídos das árvores; a relva crescia viçosa em torno dela, e os rochedos a abrigavam do sol.

Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede. Debruçou-se para desalterar-se, viu a própria imagem refletida e pensou que fosse algum belo espírito das águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para os olhos brilhantes, para os cabelos anelados como os de Baco ou de Apolo, o rosto oval, o pescoço de marfim, os lábios entreabertos e o aspecto saudável e animado do conjunto. Apaixonou-se por si mesmo. Baixou os lábios, para dar um beijo e mergulhou os braços na água para abraçar a bela imagem. Esta fugiu com o contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação.

Narciso não pôde mais conter-se. Esqueceu-se de todo da ideia de alimento ou repouso, enquanto se debruçava sobre a fonte, para contemplar a própria imagem.
- Por que me desprezas, belo ser? - perguntou ao suposto espírito.
- Meu rosto não pode causar-te repugnância. As ninfas me amam e tu mesmo não parece olhar-me com indiferença. Quando estendo os braços, fazes o mesmo, e sorris quando te sorrio, e respondes com acenos aos meus acenos.

Suas lágrimas caíram na água, turbando a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou:

- Fica, peço-te! Deixa-me, pelo menos, olhar-te, já que não posso tocar-te.

Com estas palavras, e muitas outras semelhantes, atiçava a chama que o consumia, e, assim, pouco a pouco, foi perdendo as cores, o vigor e a beleza que tanto encantara a ninfa Eco. Esta se mantinha perto dele, contudo, e, quando Narciso gritava: "Ai, ai", ela respondia com as mesmas palavras. O jovem, depauperado, morreu. E, quando sua sombra atravessou o Estige, debruçou-se sobre o barco, para avistar-se na água.

As ninfas o choraram, especialmente as ninfas da água. E, quando esmurravam o peito, Eco fazia o mesmo. Prepararam uma pira funerária, e teriam cremado o corpo, se o tivessem encontrado; em seu lugar, porém, só foi achada uma flor, roxa, rodeada de folhas brancas, que tem o nome e conserva a memória de Narciso.

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A DINÂMICA DA PERSONALIDADE DE ECO

O que une de forma muito profunda Jung à Mitologia é o conceito de Inconsciente Coletivo e seu principal conteúdo: o Arquétipo. Inclusive um dos fatores que levou Jung ao conceito de inconsciente coletivo foram seus anos de estudo de mitologia, pela qual ele ficou completamente fascinado:

"estudei um amontoado de materiais mitológicos e gnósticos, para enfim chegar a uma desorientação total. Senti-me tão desamparado como outrora, na clínica, quando tentava compreender o sentido dos psicóticos. Tinha a impressão de estar num asilo de alienados imaginários e comecei a "tratar" todos esses centauros, ninfas, deuses e deusas, do livro de Creuzer, a analisá-los como se fossem meus doentes..."

"passei as minhas noites imerso na história dos símbolos,i.e., na mitologia e na arqueologia aqui se encontram fontes valiosas para a fundamentação filogenética da teoria da neurose..."

A partir do estudo de Mitologia Comparada, de Religião Comparada ( mitos e religiões sendo vistos como expressões espontâneas da psique humana), da observação de pacientes psicóticos ( Jung trabalhou em hospital psiquiátrico durante nove anos e o paciente psiquiátrico se caracteriza pela substituição do mundo da realidade pelo do inconsciente), olhando para seus próprios sonhos (expressão do inconsciente) e sonhos de seus pacientes "normais", Jung conclui que as imagens produzidas espontaneamente pela psique em sonhos, fantasias e mitos, são semelhantes em sua forma e estruturação e a partir daí postula a existência de uma camada psíquica igual a todos os homens, capaz de gerar imagens semelhantes, imagens típicas de seres humanos.

"Nossas opiniões, pensamentos e convicções são produtos de uma camada psíquica na qual se produzem os mitos. Esse estrato criador de mitos funciona como nossos sonhos........As imagens produzidas pela psique podem ser altamente pessoais, mas o drama em nosso palco interior costuma ser uma encenação do drama humano geral. Os artistas e os sábios sempre souberam disso. Nossos problemas particulares - nascimento, morte, relacionamentos, conflitos e a busca de significado - são problemas humanos. Quem estiver passando por um deles tem chance de perceber que essa experiência é uma versão de imagens grandiosas que simbolizam o modo como a humanidade sempre vivenciou esse problema. Jung chamou de arquétipos essas imagens atemporais. São dinamismos que fornecem padrões de comportamento, de emoção e de experiências pessoais que transcendem a história pessoal.......Pode-se considerar os mitos como sonhos coletivos e recorrentes da humanidade."

Devido a essa ligação imensa entre a Psicologia Analítica e a Mitologia sinto ser possível traçarmos um paralelo entre a personalidade mítica de Eco e alguns conceitos básicos de Jung; ou olharmos para a dinâmica do mito através de um olhar junguiano que por natureza tende a dar espaço ao mito e ver a necessidade de compreendermos o mito até para que nos conheçamos.
"E o mito? O mito refaz a história da origens, história sagrada. Se das origens, universal. Quanto mais primitivo, mais de todos. Todos vimos nossa imagem refletida em alguma superfície lisa algum dia e ficamos perturbados. Os contornos refletidos são os nossos? Vemos outro ou vemos a nós mesmos? Por isso Narciso nos interessa, por isso é que ele é histórico. "

Poderíamos dizer o mesmo de ECO... quem não viveu um amor impossível? Um amor tão centrado no outro que justo por isso não pode ser amor? Quem não apenas ecoou palavras?Ficando sem identidade, ficando sem fala! Parafraseando Donaldo Schuler, podemos dizer que Eco nos interessa, que é historicamente psicológica.
A forma mais natural de chegarmos ao mito de ECO talvez seja através do mito de Narciso, que foi o seu grande amor.

(Renata Cunha Wenth -symbolon.com.br)

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