Mirella Faur
Não há como duvidar do extenso culto – antigo e atual – dedicado a Brigid. Ela é um arquétipo poderoso no mundo contemporâneo, que ultrapassa barreiras religiosas ou filosóficas. Seu poder alcança tanto os adeptos do neo-paganismo (druidismo, Wicca, seguidores da Tradição da Deusa) – que a cultuam no Sabbat Imbolc como uma Deusa Tríplice, padroeira das artes, cura e magia – quanto os cristãos, que a reconhecem como uma mulher real, santificada, cujos milagres continuam acontecendo até hoje.
A data exata do início de seu culto pagão é desconhecida. Acredita-se que foi há milênios, sendo uma das deusas mais antigas, “contemporânea” de Inanna, Ishtar, Ísis, Hera, Gaia e Freyja. Suas lendas se desenvolveram ao longo de várias gerações e, mesmo truncadas ou distorcidas pelos monges e historiadores cristãos, acabam por preservar fragmentos de sua esquecida sabedoria e poder. Muitas das lendas da Santa são compilações dos mitos da Deusa, mescladas a elementos cristãos, com o propósito de atrair pagãos celtas para o cristianismo. Referências escritas surgiram apenas vários séculos depois da sua morte e reúnem histórias confusas sobre sua suposta identidade, sendo considerada ora a parteira e madrinha de Jesus (mesmo tendo nascido séculos após), ora a própria Maria.
Os inúmeros nomes da Deusa originaram-se nos vários locais de seu culto, assim como suas representações: Breo Saighit, a Flecha Ardente celta (o nome que melhor representa o poder da sua chama sagrada), a escocesa Bride, a irlandesa Brigid ou Bhrid, a inglesa Brigantia (Guerreira, mas também mediadora da paz), Brigandu na Gália, Bridget na Suécia e Ffaid no País de Gales. Independentemente da origem, seu culto floresceu na Irlanda e Grã-Bretanha e seu nome foi imortalizado em várias fontes também na França, Espanha, Suécia. Tão diversos quanto seus nomes, são seus títulos, que descrevem seus atributos: Brigid, a Vitoriosa, Guerreira imortal, Rainha do Povo das Fadas, Mãe da canções e poesias, Senhora das fontes, Chama do coração das mulheres, Fogo que arde sem cinzas, Mãe da sabedoria, Deusa da cura com manto verde e voz doce.
Em algumas lendas, ela aparece como filha dos deuses da terra Dagda e Danu, fazendo parte do povo sagrado Tuatha de Dannan. Em outros mitos, é considerada consorte de Dagda ou de Bres, o Lindo Guerreiro, ou como Senhora do mar, filha do deus do oceano Lir. Na maioria dos mitos, no entanto, prevalecem suas características de deusa virgem, guardiã da lareira, das mulheres e dos caminhos. Às vezes, é vista como a face jovem da Deusa, Danu ou Cerridwen, sendo a Mãe, e Cailleach, a Anciã, que cede seu lugar para Brigid no Sabbat Imbolc, substituindo o inverno pela primavera. Seu aspecto de regente das fontes permaneceu no culto da deusa Sulis, adotada pelos romanos como Sulis Minerva e cultuada nas termas de Aquae Sulis, atual cidade inglesa de Bath.
O arquétipo complexo de Brigid – a mais cultuada das deusas celtas – amalgamou vários aspectos das antigas deusas irlandesas (como Danu, Macha, Morrigan). Entretanto, ela é uma divindade tão intensamente relacionada à sacralidade feminina que a nenhum homem era permitido ultrapassar a cerca ao redor do seu santuário. Deusa soberana da terra, do fogo celeste e telúrico, das fontes (cura, fertilidade, prosperidade), ela ficou mais conhecida como Deusa Tríplice das artes (poesia, canto, tecelagem), cura (mistérios das ervas, purificação e renovação pela água), magia e profecia, ou como a Senhora do fogo tríplice: da inspiração (como Musa), forja (padroeira da metalurgia) e lareira (protetora das casas, mulheres e família).
Uma composição de personagens irlandeses e galeses deu origem à Santa, cujo principal título era ”Brigid do manto verde e dos cabelos de ouro (ou fogo)”, traços marcantes das imagens da Deusa. Ela supostamente nasceu entre os anos de 439 e 452 e morreu entre 518 e 525 de nossa era, sendo filha de um druida e de uma escrava pagã. Era uma moça generosa, sem interesse em namoros, apenas na vida religiosa.
Tornou-se freira, depois abadessa e criou uma comunidade com outras sete virgens em Cill Dara (atual Kildare), Irlanda, que cresceu até se transformar em um grande mosteiro, primeiro centro irlandês de estudos e artes. Sua vida foi repleta de milagres, que reproduziam os atributos da Deusa (fertilidade, abundância, cura, o dom de falar com animais, a chama eterna no seu altar cuidado por 19 freiras), com especial ênfase no auxílio a mulheres, pobres e doentes. Sua representação como Santa tem elementos reais e míticos, mas foi através dela que a igreja cristã celta permitiu a perpetuação – de maneira velada e adaptada – da reverência e culto da deusa Brigid.
fonte do texto: http://www.teiadethea.org/?q=node/158
fonte da foto: celticanamcara.blogspot.com
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