Texto: Lara Moncay
Ísis saiu em perseguição do baú por vários meses, suja e rasgada da dura jornada que a fez atravessar vários países, chegou finalmente a Biblos, na costa da Síria, onde se dizia que o esquife se desviara para a terra. Lá lhe contaram que, quando o caixão tocou a terra pela primeira vez, subitamente brotou uma tamargueira que prendeu em seu tronco a arca. Já dentro do caixão, agora na árvore, Osíris estava duplamente aprisionado. Ísis, então, foi à procura da árvore. Vários dias se passaram até que ela o encontrou e ali ficou em vigília.
Por fim, Melcader, um rei sírio, e seu exército passaram por ali. O rei admirou tanto a altura, largura e o vigor da árvore que decidiu derrubá-la e transformá-la em uma coluna central de seu palácio. De nada adiantaram os gritos de Ísis, os soldados do rei afastaram-na e derrubaram a árvore levando-a com eles. Ísis, porém, seguiu o rastro do veículo e chegou, depois de caminhar por várias semanas, e por fim, chegou ao palácio. Quando Ísis viu a coluna central do palácio, ergueu suas longas asas e mostrou sua verdadeira face de deusa para o rei Melcader e a rainha Astarte.
Comovidos com a história que Ísis lhe contara e com o sofrimento que passara, os reis Melcader e Astarte derrubaram a coluna e cortaram a madeira que envolvia o caixão.
Em retribuição Ísis passou um tempo na casa dos reis para cuidar de seus filhos e lançar-lhes feitiços de proteção e de cura. Os filhos e filhas do rei e da rainha Síria tanto se apegaram a deusa que, quando ela partiu, o filho mais velho do casal real, Maneros, partiu com Ísis em sua longa jornada de volta ao Egito. Depois de muito tempo no mar, finalmente o barco com Ísis chegou ao Egito (em Abidos, terra dos mortos). Maneros, filho mais velho de Melcader, não resistiu a viagem e morreu sem nunca pisar nas terras de Ísis, sua amada.
Abrindo o caixão, Ísis dançava e chorava lamentando a morte do irmão, do amado, do marido. Enquanto dançava e cantava seus cantos de amor, os grandes portões do Céu se abriram, e as estrelas circulantes giraram tecendo um novo destino para Osíris, fazendo para ele uma nova coroa de rei.
Os deuses comovidos ressuscitaram Osíris que deitou-se por mais uma noite com sua amada. Seu corpo, porém, ainda fraco pela morte sofrida, não era mais como antes e por isso Ísis escondeu o corpo fraco do irmão em um emanharado de rochas, um labirinto de pedras brancas. Então deixou-o ali apenas por uma noite e apressou-se em procurar Anúbis e Néftis para ajudá-la a Salvar Osíris. Seth, senhor da noite e das trevas, caçava javalis por perto de Abidos sob a luz do luar. Armado de Arco e flechas e com sua inseparável adaga, Seth aguçou a audição e farejou o vento. Sentiu um odor familiar e foi conferir o que era e logo chegou ao local onde Osíris estava guardado. Furioso o deus Seth golpeou, com sua adaga, várias vezes o corpo do irmão, separou a cabeça do corpo. Cortou fora os braços, as pernas e o pênis. Arrancou um por um os ossos das costas. Esquartejou o irmão como um animal morto e enfiou os pedaços num saco e atirou nas águas do Nilo. Sentindo o cheiro da morte, Anúbis avisou Ísis e Néftis e, juntos, correram até o rio. Ali, nas margem do Nilo, em Abidos, as deusas avistaram a cabeça cortada de Osíris.
Ísis, no entanto, não estava disposta e entregar seu amado irmão à morte mais uma vez, pois ela já sabia estar grávida e queria que Osíris também o soubesse. Numa caverna próxima, Ela Anúbis e Néftis esconderam a cabeça de Osíris e decidiram que, juntos, iriam percorrer todo o Nilo, desde o Alto Egito até o Mar, à procura dos pedaços do deus morto, para que pudessem fazê-lo reviver novamente. Porém seria impossível reunir todas as partes do Corpo de Osíris. Um peixe, vendo o pênis do deus boiar sob as águas azuis do Nilo, abocanhou o órgão gerador de Osíris e mergulhou para o fundo do rio. Sobeck, o deus crocodilo, viu tudo, e para proteger as deusas na jornada infrutífera, seguiu a embarcação que era guiada por Anúbis. Em cada cidade onde eram encontradas partes de Osíris, eram erguidos grandes templos em sua homenagem, Assim Ísis protegia os fragmentos do marido e confundia Seth, pois esse acreditava que Ísis deixara os pedaços em algum lugar dentro dos templos.
Quando finalmente todas as partes de Osíris, exceto o falo, foram encontradas, Ísis, Néftis e Anúbis voltaram para Abidos. O deus Toth foi o único a vê-los deixar o barco e entrar na caverna onde jazia a cabeça de Osíris, ele, comovido, desceu até a Terra e juntou-se ao grupo na empreitada de ressuscitar o seu irmão, qual ele mesmo ajudou a nascer.
Como o peixe engolira o pênis de Osíris, Ísis fez outro de cedro e ouro, e dizendo palavras de poder, a deusa tentou ressuscitá-lo. Não adiantou. Toth, o deus escriba, senhor da inteligência, o deus lua, chamou Anúbis para ajudá-lo em sua tarefa: juntaram tiras de linho, encheram Osíris de flores e óleos, amarraram as tiras e ataram com cordões. Osíris agora iria reinar no reino dos mortos e ali lutaria contra Apófis.
Ísis Aprisionada
Certa manhã, quando Ísis e Néftis ofereciam pão ao Ka (a alma que cria e preserva a vida) de Osíris, foram capturadas pelos homens de Seth e amarradas como escravas. Seth levou Ísis para uma caverna escura e ali a trancou, ao seu lado colocou uma roca e novelos de linho, deu-lhe um cadáver como marido e obrigou-a a trabalhar dia e noite, fiando e costurando, sem descanso. A lua no céu crescia e minguava, e a barriga de Ísis ficava cada dia mais redonda. Toth, que também conhecia o tempo, começou a se preocupar com o aprisionamento da irmã e, com o propósito de libertá-la, enfiou sua esposa Seshat (deusa que registra o destino dos humanos) e Maát (deusa da verdade e justiça) disfarçadas de tecelãs. Num gesto abriram passagem para vários escorpiões que, com suas tenazes cortaram as cordas que amarravam a deusa. Aqueles que tentaram detê-la, os escorpiões matavam com picadas fatais, os capangas de Seth morreram um a un. Ísis caminhou do planalto arenoso até o delta e caindo em meio à touceira de papiro foi parteira de si mesma. Nascia Hórus, o menino dourado, o deus falcão. Com a presença devota da sua mãe, Hórus, foi educado no maior dos segredos, preparando-se com esmero e paciência. Porém, o sucessor do rei assassinado, ficou com Ísis apenas nos seus primeiros cinco anos de vida. Sabendo que não podia ficar no Delta, pois Seth já sabia do nascimento de Hórus, Ísis, como mãe protetora, partiu para os confins do Egito deixando seu filho aos cuidados da deusa-naja Renenutet. Assim Seth nunca encontraria o filho de Osíris, pois jamais acreditaria que uma mãe tão devotada como Ísis deixaria seu filho aos cuidados que outra pessoa ou deus.
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