Gobnait, deusa e santa irlandesa
Mirella Faur
Em uma de minhas viagens à Irlanda, procurando antigos sítios sagrados do culto da Deusa Brigid, cheguei a um lugarejo chamado Ballyvourney. Atualmente é um lugar de peregrinações cristãs, mas sua origem pagã é incontestável, comprovada pela fonte em que antigamente eram deixadas oferendas e fitas com pedidos de cura e proteção, substituídas hoje pelos rosários e medalhas cristãs.
Uma antiga igreja em ruínas serve como ponto central para as novenas e ladainhas católicas, mas, olhando-se com atenção, descobre-se, com surpresa, entalhada no arco de uma janela, a figura de Sheelah na Gig, a deusa celta regente da fertilidade, morte e renascimento, padroeira e protetora das mulheres. Assim como em todas as suas inúmeras representações, nas igrejas ou nas escavações (muitas das quais foram destruídas ou danificadas pelo fervor cristão em razão de seu aspecto "erótico”), sua figura parece grotesca e lasciva, suas mãos abrindo seu yoni (vagina), o portal da vida, sua face cadavérica, com a boca desdentada aberta em um sorriso, seu corpo esquelético mostrando a velhice e prenunciando a morte. Muitas de suas representações eram entalhadas em paredes de residências como símbolos de proteção ou, colocadas nos pórticos das igrejas (sendo chamadas “gargoyles” ou carrancas), para serem tocadas pelos fiéis que pediam bênçãos e proteção.
Ao lado da igreja, no meio de pedras funerárias, vê-se uma estátua de mulher sentada sobre um ovo, com uma serpente aos seus pés - símbolos arcaicos das deusas regentes da vida e da morte. No lado oposto da igreja, uma estátua moderna da santa Gobnait, coberta por um manto. Em seu pedestal, encontram-se esculpidas espigas de trigo e, no centro, uma colmeia e um enxame de abelhas. Uma urna presa na parede oeste da igreja é o equivalente atual do cálice milagroso da Santa e acredita-se que tocá-la com pertences de doentes lhes traria a cura. A fonte está próxima à igreja, escondida por velhas árvores, cujos galhos ostentam os objetos deixados pelos peregrinos e xícaras esmaltadas para beber a água.
Anualmente, no dia 11 de fevereiro, uma antiga estátua da Santa, datando do século XIII, é levada em procissão. Os devotos medem a estátua com fios de lã, que são guardados como talismãs de cura e proteção. Procurando saber mais sobre a Santa - por achar muitos dos seus símbolos semelhantes aos da deusa Brigid em seu aspecto de padroeira das fontes e da cura - descobri que a lenda cristã narra a história de Gobnait, uma mulher do condado de Clare, que teria se refugiado na ilha de Arran. Lá, um anjo lhe apareceu e instruiu-a a viajar até que encontrasse nove cervos brancos, lá devendo se fixar. Obedecendo ao anjo, Gobnait atravessou o sul da Irlanda e chegou a Ballyvourney, onde primeiro avistou três cervos e, depois, os seis restantes. Lá ela fundou uma comunidade de mulheres que se dedicavam em cuidar de doentes, tendo ela poderes milagrosos de cura e de afastar pragas. Ela amava as abelhas e usava o mel e a cera para curar feridas e diversos males. As abelhas eram veneradas pelos irlandeses, que as consideravam como a forma que o espírito assumia quando saía do corpo no momento da morte.
Meditando no pequeno parque ao lado da estátua, lembrei-me que abelhas e borboletas eram antigos símbolos de regeneração da Grande Mãe, encontradas em gravações e pingentes desde o período neolítico. As Sacerdotisas de Deméter eram chamadas de Melissae (abelhas) e o nome da deusa Kore era Melitodes. Os túmulos gregos tinham forma de colmeia e, no templo oracular de Delfos, a sacerdotisa ou pitonisa era chamada de Abelha Délfica. O zumbido das abelhas era considerado a voz da Deusa e o mel, usado para embalsamar os mortos e para ser transformado em hidromel, a bebida sagrada usada nos rituais cretenses, que era guardado em grandes ânforas encontradas nas ruínas do templo de Knossos.
fonte do texto: http://www.teiadethea.org/?q=node/145
fonte da foto: wetcanvas.com
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