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6 de mar. de 2011

Celtas

“Quem eram os Celtas?”

1 – Introdução - “Quem eram os Celtas?”


“A Gália está toda dividida em três partes (...) a terceira pelos que em sua língua se chamam celtas, na nossa gauleses” – Júlio César em “Relatos Sobre a Guerra Gálica”.
Os dados para conhecimento da história celta, das origens até o seu desaparecimento como civilização individualizada, encontram-se em textos históricos da Antiguidade grega e romana, assim como em contribuições da arqueologia, da antropologia e da linguística. No entanto, grande parte dos dados existentes permanece hipotética, em face da pouca unidade da organização política dos celtas e da existência de documentos originais sobre as primeiras fases de sua história.

Reconhece-se hoje que sua história se estendeu por cerca de dois mil anos, aproximadamente de 1800 a.C. até o final do séc. I d.C., compreendendo cinco períodos principais: o primeiro, de 1800 a 1200 a.C., é o da individualização dos celtas entre os demais grupos indo-europeus, com habitat inicial a sudoeste da Alemanha e depois diversos outros pontos da Europa ocidental e central; o segundo, de 1200 a 750 a.C., é marcado pelas invasões celtas até o sul da França e Espanha, crescente domínio das técnicas do bronze, da agricultura, habitação e cerâmica. O terceiro período, aproximadamente de 725 a 480 a.C., incluindo a chamada era de Hallstratt, traz a implantação do começo da civilização céltica do ferro, que se estende da atual Tchecoslováquia até a Grã-Bretanha, envolvendo a Áustria, o sul da Alemanha, o oeste da França e da Espanha. É a fase em que se consolidam os traços particulares da cultura e da civilização célticas, ao mesmo tempo em que essas absorvem influências decisivas, quer resultantes das invasões cimérias, quer do intercâmbio comercial com os gregos e etruscos no Mediterrâneo. É ainda nesse período, a partir do século V a.C., que os celtas adquirem verdadeira autonomia nacional.

De 480 até a metade do séc. II a.C., o quarto dos grandes períodos de sua história, os celtas expandem-se para leste até a Ucrânia, chegam à Grécia e Ásia Menor, ocupam toda a Gália, boa parte da Itália e da Espanha, indo em grandes vagas humanas para a Grã-Bretanha. É o apogeu conhecido como civilização de La Tène, que se ergue sobre fortes impulsos de crescimento econômico, tendo por protagonista uma aristocracia formada pelo conteúdo com os países mediterrâneos: deixou os traços de sua passagem em ricas sepulturas encontradas na França e na Alemanha, dentro das quais objetos de ouro e cerâmica revelam o adiantamento artesanal e artístico alcançado, bem como a viva influência das culturas grega e etrusca, assimilada, porém, com originalidade.
O último período assinala-se entre o início do séc. II a.C. e o ano 100 d.C.: é a fase de decadência e recuo dos celtas, minados pela desunião de suas tribos e pelo assédio dos exércitos romanos, que acabaram por submetê-los, depois de se apossarem do Piceno, da Gália, da Gália Cisplatina, da Península Balcânica, da Espanha e da Grã-Bretanha, restando apenas a Irlanda como última importante sobrevivência do império celta. No entanto, a sobrevivência cultural se firmara com relevo em diferentes campos, sobretudo no da língua, em que os celtas conseguiram unidade relativamente duradoura e que melhor se pôde estudar com objetividade.

As línguas celtas: Como parte integrante do complexo indo-europeu, intermediado o tronco ítalo-celta, depois cindido no itálico e no celta, as línguas celtas podem ser compreendidas em dois grupos principais: o do celta continental, representado pelo gaulês, que se falou na Europa central e na Ásia Menor antes da era cristã; e o do celta insular, que se reparte em dois subgrupos: o gaélico ou goidélico, a que pertencem o irlandês, o escocês e o manx (dialeto da ilha de Man), e o britônico, formado pelo câmbrico ou galês, o bretão — que chegou ao maciço Armoricano a partir das ilhas Britânicas — e o cósmico, extinto, falado na Cornualha (Cornwall).

Religião: Definir e descrever precisamente a religião dos celtas, também chamada druidismo, não constitui tarefa simples. A escassez das fontes e as dúvidas que pairam sobre o valor de muitas, não autorizam conclusões definitivas. O grande número de povos celtas, desde a Ásia Menor até a Península Ibérica e as ilhas Britânicas, é também um obstáculo ao conhecimento do que lhes é comum e exclusivo. Além disso, a presença dos romanos, principalmente na Gália e na Bretanha, ocasionou grandes transformações na cultura desse povo, particularmente na sua religião, na qual nomes e ritos foram alterados. Também não se pode menosprezar a destruição de documentos causada pelos expurgos impostos pela igreja na Idade Média. Ademais, a natureza dos documentos é muito diversa, variando conforme a tribo de que provêm.

Pelo testemunho de fontes secundárias (informações dos geógrafos gregos), sabe-se algo do ritual do culto dos celtas gauleses, porém nada de sua mitologia. Entretanto, no caso dos celtas da Irlanda, a mitologia não se perdeu inteiramente, em virtude de os documentos serem posteriores ao desaparecimento da primitiva religião. Assim, elementos lendários e épicos constituem as únicas fontes do patrimônio mítico daquela cultura.
Ao que parece, a ideia central do druidismo era de que da união da deusa Mãe-Terra com o deus tribal procedia ao vínculo da tribo com seu território, simbolizando e garantindo a prosperidade da descendência, do gado, da agricultura, bem como o sucesso na guerra.Com o fenômeno das mudanças sociais, com a diferença de status, concentrando- se o poder em mãos de chefes ou grupos, surge a tendência para a adoção de deuses maiores, mas não há registro de um sistema hierárquico, como entre os romanos, os quais, entretanto, identificaram com os nomes de seus deuses principais alguns dos deuses celtas. Coexistia o culto dos animais e da natureza com o dos deuses-heróis, de algum modo identificado com o culto dos ancestrais. As festividades relacionavam- se com as estações, basicamente a do frio e a do calor. O calendário celta se relacionava com a agricultura, destacando-se como festas principais Samhain (1º de novembro) e Beltane (1º de maio). Realizavam em grande escala sacrifícios animais e humanos, utilizando-se, para estes caixões de carvalho nos quais eram queimadas as vítimas.

Arte: Devem-se aos celtas as manifestações mais ricas e mais realizadas da chamada “arte bárbara”. Trata-se principalmente de objetos pequenos e de uso cotidiano. Os celtas eram, nesse sentido, acentuadamente práticos, não separando utilidade e beleza. Via de regra, desenvolveram acima de tudo uma arte do metal, predominantemente do bronze e do ouro, mas também da prata. Nesse campo, orientavam-se por três finalidades prioritárias: a militar (todo armamento dos guerreiros: espadas, carros, punhais, pontas de lança, capacetes, escudos), a doméstica (envolvendo um sem número de recipientes para servir comida, bebida, etc.) e a do adorno pessoal, reunindo joias e adereços de toda espécie, como colares, brincos, braceletes, fivelas, cintos, anéis e ainda peças de toucador, como espelhos espelhos e navalhas.

2 – Relatos de Júlio César sobre os Gauleses

Segue abaixo parte de um texto escrito por Júlio César (retirado de “Comentários Sobre a Guerra Gálica”) onde o autor relata de forma direta como era a sociedade gaulesa vista por ele durante suas incursões. Isto pode ajudar a melhor entender esta misteriosa e curiosa civilização:
(...) Dois são em toda Gália os gêneros de homens, que são tidos em alguma conta e estimação. (...) Mas destes dois gêneros um é o dos druidas, o outro, o dos cavaleiros. Aqueles que entendem nas coisas sagradas, cuidam dos sacrifícios públicos e particulares, e explicam as doutrinas e cerimônias da religião: a eles acode grande número de adolescentes com o fim de instruir-se, e esses são tidos em muita estimação. Pois os druidas decidem de quase todas as contendas públicas e particulares; e, se comete-se crime, ou perpetra morte, se disputa-se sobre herança, ou limites, julgam e estabelecem recompensas e castigos; se algum particular ou povo recusa sujeitar-se à decisão, lançam-lhe interdito na participação aos sacrifícios; o que é entre eles pena gravíssima. Os que assim incorrem no interdito, são tidos por ímpios e celerados, todos se apartam deles, fogem do seu acesso e conversação, para que não recebam dano com a comunicação, nem se lhes faz justiça, quando a solicitem, nem participam de honra alguma. A todos estes druidas porém preside um, que exerce a suprema autoridade. Morto este, ou lhe sucede o que sobressai em dignidade, ou se há muitos iguais na hierarquia, é eleito pelo sufrágio dos druidas: algumas vezes também disputam a preeminência pelas armas. Estes, em certo tempo do ano juntam-se em lugar consagrado nas fronteiras dos Carnutes, que se reputam no centro de toda a Gália. Para aqui se dirigem todos os que têm pleitos, e sujeitam-se às suas decisões e sentenças. Supõe-se haver sido esta doutrina deparada na Bretanha, e dali transmitida à Gália; e ainda agora os que desejam estudá-la fundamentalmente, lá vão as mais das vezes aprendê-la.

Costumam os druidas abster-se da guerra, e não pagam os tributos a que estão sujeitos os mais Gauleses; gozam da isenção da milícia e da imunidade de todos os encargos. Excitados por tais vantagens, muitos são os que os procuram para instruir-se na sua ciência, seja por livre vontade, seja mandados por seus pais e parentes. É fama que aprendem aí grande número de versos (e alguns há que gastam vinte anos neste estudo); mas não se permite escrevê-los, sendo que em tudo mais, ou se trate de negócio público, ou particular, usam de caracteres gregos. Parece-me que assim o instruíram por duas razões: a primeira, evitarem que a sua doutrina se espalhe pelo vulgo; segunda, não deixarem os que a prendem, de cultivar a memória, fiados nos escritos; pois acontece ordinariamente, que com o socorro destes omitem muitos o cuidado de decorar, e o cultivo da memória. Fazem sobretudo acreditar que as almas não perecem, mas passam, depois da morte, de uns para outros corpos, e com isso julgam incitar-se principalmente ao valor, desprezando o medo da morte. Discorrem também muito sobre os astros e seu movimento, sobre a grandeza do mundo e a da terra, sobre a natureza das coisas, sobre a força e poder dos deuses imortais e transmitem os discursos à mocidade.
Outro gênero é o dos cavaleiros. Estes, quando é necessário, e ocorre alguma guerra (o que antes da chegada de César quase todos os anos costumava a suceder, ou para empreenderem correrias, ou para repelirem as dos vizinhos), vão todos à guerra, e como cada um mais sobressai em nobreza e haveres, tanto mais guarda-costas e clientes têm em torno de si. Nisto fazem consistir todo seu crédito e poder.

Toda a nação dos Gauleses é mui dada a superstições e por isso os que são acometidos de enfermidades graves, andam nas batalhas, e correm perigo, ou imolam vítimas humanas, ou prometem imolá-las; pois, a não se dar vida de homem por vida de homem, não julgam placável o poder dos deuses imortais; e estatuem sacrifícios públicos deste gênero. Alguns há que forma simulacros de descomunal grandeza, cujos membros tecidos com vime enchem de homens vivos, e aos quais lançado fogo, expiram homens abrasados pelas chamas. Reputam mais agradáveis à divindade os sacrifícios dos que são surpreendidos em furto, roubou, ou algum delito, mas, a falta destes, descem também aos sacrifícios dos inocentes.
Adoram principalmente ao Deus Mercúrio. Muitos são simulacros, que dele possuem: consideram-no como inventor de todas as artes, o guia dos caminhos e jornadas, o maior protetor no ganho de dinheiro e no comércio. Veneram depois dele a Apolo, Marte, Júpiter, Minerva. Destes têm quase a mesma opinião, que as mais nações: isto é, que Apolo expele as doenças, Minerva transmite os princípios dos artefatos, Júpiter tem o império dos céus, Marte preside à guerra. A este, quando se propõem pelejar, votam as mais das vezes o que hão de tomar na guerra; imolam, depois de vencerem, os animais tomados, e depositam os mais objetos da presa num lugar. É de ver em muitas cidades montões destes objetos acumulados em lugares consagrados; e quase nunca acontece em si o que tomou, ou tirar o que foi depositado, sendo que gravíssimo suplício com torturas está reservado a este crime.

Todos os Gauleses se apregoam descendentes de Dite (Plutão), segundo lhes é transmitido pelos druidas. Por isso calculam a divisão do tempo, não pelo número dos dias, mas pelo das noites e contam-se os dias natalícios, e os princípios de meses e anos de modo que o dia vem sempre depois da noite. Nos mais usos da vida quase que só diferem dos outros povos em não consentir que seus filhos se aproximem deles em público, senão quando têm crescido a ponto de poder suportar o encargo da milícia, pois reputam indecoroso que o filho de idade pueril esteja em público na presença do pai.
Ao dinheiro que, a título de dote, trazem as mulheres com que casam, juntam os maridos, feita a estimação, outro tanto de seus bens com os dotes. De todo este dinheiro faz-se um assento conjuntamente, e vai-se acumulando o rendimento. Àquele dos dois cônjuges que sobrevivem, pertence à parte de um e outro com o rendimento de todo o tempo decorrido até então. Os homens têm, na qualidade de maridos, direito de vida e morte sobre suas mulheres, assim como na de pais, sobre seus filhos; quando morre algum pai de família de ilustre linhagem, reúnem-se os parentes do morto, e se há suspeita sobre a morte, põem as suas mulheres a tormento dos escravos, e se se descobre que existe crime, fazem-nas perecer pelo fogo com todo gênero de torturas. Os funerais dos Gauleses são proporcionalmente a seu estado de cultura magníficos e suntuosos; todos os objetos, que amaram em vida, compreendidos os animais, são lhes lançados na fogueira; e pouco antes deste tempo os escravos e clientes, que constava lhes haverem sido caros, eram igualmente queimados nos funerais.

As cidades que passam por melhor reger-se, têm estabelecido nas leis, que se alguém souber da parte dos povos vizinhos por boato ou fama alguma coisa que interesse à república, o participe ao magistrado, sem comunicá-lo a qualquer outro; pois tem-se reconhecido que homens imprudentes e sem experiência se deixam aterrar por falsos rumores, e impelir ao crime tomando resoluções precipitadas sobre negócios da maior importância. Os magistrados ocultam o que parece reservado, e comunicam à multidão o que reputam conveniente. Dos negócios de Estado não é permitido falar, senão em pública assembleia.


3 – Costumes religiosos dos celtas

3.1 - O culto do carvalho

Na história religiosa da raça ariana na Europa, o culto das árvores teve um papel importante. Nada podia ser mais natural, pois, no alvorecer da história, a Europa estava coberta de imensas florestas primevas, onde as clareiras esparsas devem ter parecido pequenas ilhas num oceano verde.

Entre os celtas, o culto do carvalho pelos druidas é conhecido de todos, e a palavra antiga que usavam para santuário parece ser idêntica, na sua origem, ao latim nemus (“bosque”) que ainda sobrevive no nome de Nemi.

(...) Ao passarmos do sul para o centro da Europa, continuamos a encontrar o grande deus do carvalho e do trovão entre os árias bárbaros que viviam nas florestas primevas. Assim, entre os celtas da Gália, nada havia de mais sagrado para os druidas do que o visco e o carvalho no qual este crescia: escolhiam os bosques dessa árvore como cenário de suas celebrações solenes e nenhum dos ritos era celebrado sem as suas folhas. “Os celtas”, diz um autor grego, “adoram Zeus, e a imagem celta de Zeus é um alto carvalho”.

3.2 - Veneração do visco

Desde os tempos imemoriais, o visco era objeto de veneração supersticiosa na Europa. Foi cultuado pelos druidas, como nos diz um trecho de Plínio. Depois de enumerar os diferentes tipos de visco, ele prossegue: “Ao tratar o assunto, a admiração que se tem pelo visco em toda a Gália não deve passar despercebida. Os druidas, pois é assim que os gauleses chamam seus magos, não consideram nada mais sagrado que o visco e a árvore na qual ele cresce, desde que essa árvore seja um carvalho. Mas, à parte isso, eles sempre escolhem bosques de carvalhos para seus bosques sagrados e não realizam nenhum rito sagrado sem as folhas dessa árvore; de modo que o próprio nome de druidas pode ser considerado como um nome grego derivado de seu culto do carvalho. Eles acreditam que tudo o que cresce nessas árvores é proveniente do céu e constitui sinal de que a árvore foi escolhida pelo próprio deus. O visco é encontrado raramente; mas quando o encontram, colhem-no com solenidade. E o fazem, sobretudo no sexto dia da lua, do qual datam o início de seus meses, de seus anos e de seu cilho de trinta anos, porque, no sexto dia, a lua tem muito vigor e não percorreu ainda metade de seu curso. Depois dos devidos preparativos para um sacrifício e uma festa sob a árvore, eles a saúdam como um remédio universal e levam ao local dois touros brancos cujos chifres nunca foram aparados. Um sacerdote vestido de branco sobe na árvore e, com uma foice de ouro, corta o visco, que é colhido numa toalha branca. Em seguida sacrificam as vítimas, orando para que Deus possa fazer prosperar seus escolhidos. Acreditam que uma poção preparada com o cisco fará com que os animais estéreis reproduzam e que a plante é remédio que vale contra todos os venenos. Uma parte tão grande da religião dos homens é habitualmente dedicada a essas insignificâncias” .
Num outro trecho, Plínio nos diz que o visco que cresce num carvalho era considerado o mais eficaz na medicina e que sua eficácia era tida, por pessoas supersticiosas, como maior se a planta fosse colhida no primeiro dia da lua sem o uso de ferro e se, ao ser colhida, não tocasse a terra. O visco do carvalho assim obtido era considerado como um remédio para a epilepsia; se fosse sempre levado pelas mulheres, ajudava-as a conceber; curava ulcerações com grande eficiência, se o enfermo mastigasse um pedaço da planta e colocasse outro sobre a ferida. Plínio diz ainda que o visco era considerado, como o vinagre e o ovo, um meio excelente para extinguir o fogo.

3.3 - Sacrifícios humanos e as festas dos fogos

Os costumes populares relacionados com as festas dos fogos da Europa, há certas características que parecem indicar uma prática anterior de sacrifício humano. Pessoas vivas agiram, com frequência, como representantes do espírito das árvores e do espírito dos grãos, e foram imoladas como tais. Não há razão, portanto, para que não tenham sido queimadas, se fosse possível obter vantagens especiais levando-as à morte dessa maneira.
Dos sacrifícios humanos oferecidos nessas ocasiões, os traços mais claros são os que, há cerca de cem anos, ainda perduravam nas fogueiras de Beltane nas Highlands da Escócia, isto é, entre um povo celta que, localizado numa região remota da Europa e quase totalmente isolado de influências externas, conservara até então o seu velho paganismo, melhor talvez do que qualquer outro povo da Europa ocidental. É significativo, portanto, que os sacrifícios humanos pelo fogo — dos quais há provas indiscutíveis — tenham sido praticados sistematicamente pelos celtas. A mais antiga descrição desses sacrifícios nos foi deixada por Júlio César. As linhas principais do costume parecem ter sido as seguintes. Criminosos condenados eram escolhidos pelos celtas para serem sacrificados aos deuses nas grandes festas realizadas a cada cinco anos. Quanto maior o número dessas vítimas, maior se acreditava que seria a fertilidade da terra. Se não houvesse quantidade suficiente de criminosos, prisioneiros de guerra eram imolados para compensar a deficiência. Quando chegava o momento, as vítimas eram sacrificadas pelos druidas. Algumas eram mortas a flechadas, outras empaladas, e outras ainda queimadas vivas da forma descrita a seguir. Imagens colossais feitas de vime ou de madeira e folhagem eram construídas, e, no seu interior, eram colocadas pessoas vivas e animais de várias espécies. O fogo era então ateado às imagens, e estas queimavam-se com seu conteúdo vivo.

Essas eram as grandes festas realizadas a cada cinco anos. Mas, além dessas festas quinquenais, celebradas em grande escala e com um tão grande desperdício de vidas humanas, parece lógico supor que festas do mesmo tipo, mas de menor escala, fossem realizadas anualmente e que delas descendem linearmente pelo menos algumas das festas dos fogos que, com seus vestígios de sacrifícios humanos, ainda são celebradas a cada ano em muitas partes da Europa. As imagens gigantescas construídas de vimeiros ou cobertas com capim nas quais druidas encerravam suas vítimas nos lembram a moldura de folhas na qual o representante humano do espírito das árvores ainda é, com frequência, enquadrado. Portanto, observando que a fertilidade da terra estava aparentemente na dependência da realização adequada desses sacrifícios, podemos interpretar as vítimas celtas, encerradas em vimeiros e folhagem, como representantes do espírito das árvores ou espírito da vegetação.
Ao que parece, os ritos sacrificais dos celtas da antiga Gália podem ser rastreados nas festas populares da Europa moderna. É na França, naturalmente, ou melhor, na ampla área compreendida pelos limites da antiga Gália, que tais ritos deixaram vestígios mais claros nos costumes de queimar gigantes feitos de vime e animais encerrados em estruturas ou cestos de vime. Esses costumes manifestam-se geralmente no solstício de verão ou mais ou menos nessa época. Disso podemos deduzir que os ritos originais dos quais são sucessores degenerados eram celebrados no solstício de verão. Essa dedução harmoniza-se com a conclusão, sugerida pelo exame geral dos costumes folk europeus, de que a Festa do Solstício deve, de um modo geral, ter sido a mais difundida e a mais solene de todas as festas anuais celebradas pelos primitivos arianos na Europa. Devemos ter presente, ao mesmo tempo, que, entre os celtas britânicos, as principais festas dos fogos foram, sem dúvida, a de Beltane (1º de Maio) e a de Hallowe’en (último dia de Outubro), o que levanta uma dúvida sobre se os celtas da Gália também não teriam celebrado os seus principais ritos do fogo, inclusive os que incluíam a queima sacrificial de seres humanos e de animais do início de maio ou no início de Novembro, e não no solstício de verão.


3.4 - Festas do Solstício de Verão

Em toda a Europa os camponeses têm, desde tempos imemoriais, o costume de acender fogueiras em certos dias do ano e dançar e saltar à volta delas. Costumes desse tipo podem remontar, segundo as evidências históricas, à Idade Média, e sua analogia com costumes semelhantes observados na Antiguidade contribui, com forte ocorrência interna, para provar que sua origem deve ser procurada num período muito anterior ao cristianismo. Na verdade, a mais antiga prova de sua ocorrência no norte da Europa nos é proporcionada pelas tentativas feitas pelos sínodos cristãos, no século VIII, para acabar com esses costumes, sob a alegação de que eram ritos pagãos. Não é raro que sejam queimadas efígies nessas fogueiras, ou que se finja nelas queimas umas pessoas vivas; há razões para acreditarmos que, antigamente, seres humanos eram realmente queimados nessas ocasiões.
Nas Highlands da Escócia, no País de Gales e na Irlanda, as fogueiras, conhecidas como fogos de Beltane, eram acesas antigamente com grande solenidade a 1º de Maio, e os vestígios de sacrifícios humanos eram, nesse caso, particularmente claros e inequívocos. O costume de acender fogueiras perdurou em vários lugares até o século XVIII, e as descrições da cerimônia, por autores da época, apresentam um quadro curiosos e interessante do antigo paganismo que sobreviveu na Inglaterra. John Ramsay relata: “Mas a maior das festas druídicas é a de Beltane, ou 1º de Maio, que era recentemente realizada em certas partes das Highlands com cerimônias extraordinárias. Nos últimos anos, a ela comparecem principalmente os jovens, pois as pessoas de idade mais avançada consideram-na incompatível com sua gravidade. Não obstante, várias circunstâncias relativas a essa festa podem ser recolhidas da tradição ou da conversação com pessoas bastante idosas que testemunharam essa festa em sua juventude, quando os ritos antigos eram melhor respeitados.

A festa é chamada em gaélico Beal-tene, isto é, o fogo de Bel (...) Como outros cultos públicos dos druidas, a festa de Beltane parece ter sido realizada em montes ou lugares elevados. Parecia-lhes degradante para aquele cujo templo é o universo supor que habitasse em qualquer casa feita por mãos humanas. Os sacrifícios que se lhe faziam eram, portanto, oferecidos ao ar livre, frequentemente no alto das colinas, onde eram presenteados com as mais deslumbrantes vistas da natureza e onde estavam mais próximos da sede do calor e da ordem. E, de acordo com a tradição, era essa a maneira de celebrar a festa de Beltane nas Highlands nos últimos cem anos. Mas, desde o declínio da superstição, ela vem sendo promovida pelos moradores de cada aldeia em algum morro ou elevação em torno da qual um assento de relva era preparado para os espectadores. No meio era colocada uma pilha de lenha ou outro combustível, que antigamente acendiam com o tein-eigin — isto é, o fogo forçado, ou o fogo obtido pelo atrito de madeira seca (need-fire) e ao qual se atribuíam propriedades mágicas. O processo do fogo forçado era o seguinte: “Na noite anterior, todos os fogos da região eram cuidadosamente apagados, e, na manhã seguinte, o material para acender esse fogo sagrado era preparado. O método mais primitivo parece ser o usado nas ilhas Skye, Mull e Tiree. Buscava-se um pedaço bem velho de carvalho, no meio do qual era aberto um buraco, ao qual se aplicava então uma espécie de verruma da mesma madeira. Em certas regiões, porém, o mecanismo era diferente. Usavam uma trama de madeira verde, de forma quadrada, no centro da qual havia um eixo. Em alguns lugares, era preciso três vezes três pessoas, e, em outros, três vezes nove, se sucedessem, em turnos, para rodar o eixo ou verruma. Se alguma dessas pessoas era culpada de assassinato, adultério, roubo ou outro crime, imaginava-se que o fogo não se acenderia, ou que não estaria revestido de suas virtudes habituais. Assim que surgiam fagulhas devido ao atrito violento, aplicavam-lhes uma espécie de agárico que cresce nas bétulas velhas e é muito inflamável. O fogo assim obtido tinha a aparência de vir diretamente do céu, e muitas eram as virtudes a ele atribuídas. Acreditavam que ele era uma proteção contra feitiçaria e um excelente remédio para doenças malignas, tanto no homem como nos animais; também se supunha que ele fosse capaz de modificar a natureza dos mais fortes venenos.

Depois de acesa a fogueira com o tein-eigin, preparavam-se as comidas. E, tão logo terminavam a refeição, os presentes se divertiam algum tempo cantando e dançando em torno do fogo. Ao final do entretenimento, a pessoa que oficiava como mestre-de-cerimônias apresentava um grande bolo feito de ovos e recortado nas bordas, chamado am bonnach beal-tine, ou seja, o bolo de Beltane. Era dividido em vários pedaços e distribuído aos presentes solenemente. A pessoa a quem cabia um determinado pedaço era chamada de cailleach beal-tine, isto é, o carline de Beltane, termo muito pejorativo. Quando se descobria a quem coubera tal pedaço, o resto dos presentes agarrava essa pessoa e fingia que ia atirá-la à fogueira, mas outros se opunham, e ela era salva. Em alguns lugares essa pessoa era deitada no chão, como se fossem esquartejá-la. Depois, atiravam-lhe cascas de ovos e continuavam a chamá-la pelo odioso epíteto durante todo o ano. E, enquanto a recordação da festa ainda perdurava na memória das pessoas, fingiam falar do cailleach beal-tine como se estivesse morto”. (...)

Entre os antepassados pagãos dos povos europeus, a festa dos fogos mais generalizada e popular do ano era a grande comemoração da véspera do Solstício de Verão, ou do dia do Solstício, à qual correspondia a festa dos fogos do Solstício de Inverno. Entre os povos celtas de Land’s End, na Cornualha, por outro lado, as principais festas dos fogos eram as do 1º de Maio ou de Beltane, e do Hallowe’en. Essas duas datas marcam a época em que os pastores levam o gado para pastar e em que com a aproximação do inverno, levam-no novamente de volta para os currais. A divisão celta do ano em duas metades marcadas pelo início de maio e pelo início de novembro data assim de uma época na qual os celtas eram principalmente um povo pastoril que, para sua subsistência, dependia de seus rebanhos, e na qual, por essa razão, as grandes épocas do ano eram os dias nos quais o gado partia de suas fazendas no princípio do verão e aqueles em que para elas voltava novamente no princípio do inverno. (...)

Das duas festas, o Hallowe’en talvez fosse a mais importante, já que os celtas parecem ter datado o início do ano a partir dela, e não a partir da festa de Beltane. Na ilha de Man, um dos redutos em que a língua e o folclore celtas mais resistiram ao sítio dos invasores saxões, o 1º de novembro (calendário antigo) era considerado como o dia do Ano-Novo, até épocas recentes. Assim, os mascarados de Man costumavam sair às ruas na festa de Hallowe’en cantando, na linguagem de Man, uma espécie de canção de Hogmanay (Ano-Novo) que começava assim: “Hoje é a noite do Ano-Novo, Hogunnaa!”. Um dos informantes de Sir John Rhys, um velho de setenta anos da ilha de Man, “havia sido empregado de fazenda desde os dezesseis anos até os vinte e seis, com o mesmo patrão, perto de Regaby, na paróquia de Andreas, e lembra-se de que seu patrão e um vizinho próximo discutiam a expressão dia do Ano-Novo aplicada ao 1º de novembro e explicaram aos jovens que sempre fora assim antigamente. De fato, parecia-lhe bastante natural que assim fosse, já que todos os contratos de ocupação de terra terminam naquela época e todos os empregados começam o seu serviço também nessa época”.

Nas regiões celtas, o Hallowe’en parece ter sido a grande época do ano para se prever o futuro. Todos os tipos de adivinhações eram postos em prática naquela noite. Dathi, rei da Irlanda no século V, estando no monte dos Druidas (Cnoc-nan-druad) , no condado de Sligo, durante a festa de Hallowe’en, mandou que seu druida lhe previsse o futuro, entre aquele dia e o próximo dia de Hallowe’en. O druida passou a noite no alto de uma colina e, na manhã seguinte, fez uma previsão ao rei que se tornou realidade. No País de Gales a festa do Hallowe’en era a mais estranha de todas as Teir Nos Ysbrydion, ou Três Noites dos Espíritos, quando o vento, “soprando sobre os pés dos cadáveres”, levava suspiros às casas dos que deviam morrer naquele ano. Acreditava-se que, se, naquela noite, alguém saísse até uma encruzilhada e escutasse o vento, ficaria sabendo das coisas mais importantes que deveriam acontecer nos próximos doze meses.

4 – A arte celta

Para examinar a arte dos celtas é necessário retroceder até à segunda idade do ferro, ou seja, à época chamada de “La Tène”, cerca de 500 a.C.; por seu turno, a arte dos celtas nos leva a um período de se alonga desde cerca de 700 a.C. até o último século do Império Romano do Ocidente, quando se afirma uma outra arte já completamente medieval e que se costuma designar “arte bárbara”.

Celtas e nômades da Ásia têm de comum o gosto pelas formas que criam a ilusão de movimento. De feição puramente decorativa, a arte de “La Tène” exclui a concretização naturalista da forma e, baseando-se nas combinações de linhas espirais, foge a qualquer eixo de simetria; vai direta à sensibilidade física e dir-se-ia que o seu fim é impor um ritmo; não é apenas um espetáculo para o contemplador, mas exige dele uma espécie de participação.
Quanto à arte das estepes, ao mesmo tempo que o céltico da “La Tène”, vai influir em toda a arte do metal do Centro e Ocidente da Europa, influência que se exerce também numa área vastíssima que se estende desde os Cárpatos até o coração da Ásia (a sua penetração na China foi artisticamente decisiva sob vários aspectos). É uma arte que procura manter-se no próprio limite exato em que as formas naturais deixam de ser reconhecíveis. Mas estas estilizações de formas são combinadas em estruturas lineares dominadas pela curva e torções numa contínua transformação de umas formas nas outras. Assim é obtida uma rítmica tão musical como a que nos sugerem as combinações próprias da arte decorativa céltica.

Os celtas, na fase a que chamamos a segunda idade do ferro, ou período de “La Tène” (do nome de um lugar nas margens do lago de Neuchâtel, na Suíça), entre os séculos V e IV a.C., ocupavam já há muito tempo o Centro e Oeste da Europa. Essa arte de “La Tène” em breve se espalhou desde o Mosa até o Marne, e pelas duas margens do Reno, para se estender depois a toda atual França e penetrar no Noroeste da Península Ibérica; século III ao I a.C. introduzir-se- ia na Grã-Bretanha e Irlanda. Mas já desde meados do século IV a.C. houvera uma grande expansão céltica para sul e para oriente.

Convém saber os caminhos destas grandes migrações, que, segundo Tito Lívio, partiram da Gália, onde se tinham confederado as tribos celtas chefiadas por Ambicatus, rei dos bitúriges (ou seja, de Burges), o qual confiou aos seus sobrinhos Sigoveso e Beloveso, no dizer do historiador romano, partiu para a Itália e, abatendo os etruscos, chegou a Roma, enquanto Sigoveso, pelo vale do Danúbio, se dirigia à Hungria e aos Balcãs, até ser detido na Galácia (Ásia Menor).

Na realidade, foram deslocações diferentes de dois grupos do mesmo povo, que desde o ano de 500 a.C. se tinha revelado tão movediço (houve nova penetração céltica na Espanha durante o século V a.C. e a invasão da Grã-Bretanha pelos bretões sucedeu entre 323 e 321).
A conquista de Roma (ficaram célebres o cerco do Capitólio e a dura frase de Breno: Vae victis!) deu-se em 381 a.C., ao passo que a invasão da Trácia e da Macedônia foi realizada muito mais tarde. Lembremos que os gauleses efetuaram o saque do santuário de Delfos entre os anos 279 e 278, antes de se transferirem para a Ásia Menor.

Pelos fins do século III a.C., os povos célticos estendiam-se, pois, desde a Galiza e a Gália até à Galácia; porém, não tardariam muito as campanhas militares romanas que, a seguir à destruição de Cartago, conteriam a expansão dos celtas os subjugariam, arruinando sua cultura. Mas, desde as grandes invasões, a arte de “La Tène” ressurge, libertada das influências clássicas.

A arte céltica do período de “La Tène” manifesta aspectos variados. São notáveis as vasilhas metálicas, de grande elegância de formas, com decoração incrustada e asas de corpo de quadrúpede, além das suas armas características, o punhal e a espada. Os gauleses e os celtas da Grã-Bretanha usavam escudos de madeira chapeados de ferro e com adornos de bronze e capacetes pontiagudos ou redondos, de uma grande variedade.
Os adereços pessoais mais característicos sãos os braceletes, as axorcas, as fíbulas (frequentemente em forma de meia-lua, como as mais antigas lúnulas irlandesas) e os típicos colares usados pelos homens e que se chamavam “torques”.

A ornamentação repuxada denota muitas vezes uma imaginação sutil, como muito bem se pode apreciar numa das peças de maior fama da arte céltica, o “caldeiro de Gandestrup”, descoberto na Dinamarca, para onde teria sido levado durante o século II ou I a.C. Esta época, em que toda a arte céltica sofreu uma rápida evolução, está bem representada em numerosos espólios de túmulos encontrados nas margens do Reno médio e na Borgonha.
Há várias fases na evolução da arte decorativa dos celtas. Já desde o século IV a.C. que se desenvolvia o segundo estilo de “La Tène”, o qual se caracteriza por um notável
aumento da abstração curvilínea. Nos meados do século seguinte, na Suíça e na Hungria, aparecerá um terceiro estilo, caracterizado por arabescos de motivos vegetais combinados com alusivas esquematizações zoomórficas. Na Grã-Bretanha, tais arabescos alcançarão durante o quarto estilo (ou seja, desde o século I a.C.) um alto grau de esplendor. Então os ornatos, de inspiração naturalista, num enlace harmonioso de curvas, volutas e círculos, evidenciam-se pelo seu forte relevo, que lhes aumenta a importância plástica. Citemos, entre os exemplares famosos pertences a esta fase (todos eles atualmente no Museu Britânico), o escudo de Wandsworth, o de Battersea, encontrado no Tâmisa e decorado com botões esmaltados, o espelho de bronze de Desborough, em cujo reverso está finamente gravado um harmonioso desenho de folhagem enrolada.

Na França, especialmente no Sul, na Provença, os celtas deixaram os exemplares mais representativos da sua arquitetura e da sua escultura, artes que contrastam, pelo caráter rudimentar, com a finura e a originalidade que encontramos na ornamentação do metal.
As suas povoações pertenciam ao tipo de oppidum, ou pequena cidade fortificada de que César nos fala no De Bello Gallico, cujas muralhas de pedra eram reforçadas com paliçadas de madeira. Quanto aos santuários, os que se encontraram em Roquespertuse, Autremont, Sant-Rémy (foz do Ródano) e Ollioules (departamento do Var) são do gênero do heróon grego, ou sepulcro em honra de um herói. A escultura, de pedra calcária, é, em geral, expressiva, ainda que tosca. Não obstante, há alguns exemplares extraordinários que costumam ser incluídos na chamada arte celto-lígure, de provável influência etrusca, assim, temos o monstro antropófago chamado Tarasca de Noves (no Museu Calvet, de Avignon), sentado e apoiando as patas dianteiras nas cabeças barbudas das vítimas que decapitara, ou o deus sentado, hoje sem cabeça, procedente de Roquepertuse (Museu de Marselha), ou, no centro da antiga Gália, a estatueta chamada Dieu de Bouray (encontrada perto de Ferté-Alais), que representa um personagem nu, sentado e com o torque no pescoço (Museu de Sant-Germain- en-Laye). As moedas, de influência grega nas regiões do Sul, são também merecedoras de interesse.

É difícil encontrar os motivos por que um grupo étnico tão importante como o dos celtas nos deixou, à parte os seus artefatos decorados, tão poucas obras de arte.
A literatura celta — A arte literária céltica está dividida em quatro: as literaturas em gaélico da Irlanda, em gaélico da Escócia, em galês e em bretão são das mais antigas da Europa; têm origens pré-cristãs. Levam hoje existência precária, com exceção da literatura do País de Gales. Em dois momentos históricos exerceram influência profunda sobre todas as outras literaturas europeias: na Idade Média, pela difusão das lendas do rei Artur, da Távola Redonda e da procura do Santo Graal; no séc. XVIII, pelo sucesso fulminante das poesias atribuídas a Ossian, sucesso do qual dá testemunho, até hoje, a frequência dos prenomes Oscar e Selma, que ocorrem naquelas poesias.

Nas origens semimísticas do gaélico da Irlanda existem numerosos fragmentos de canções épicas pré-cristãs, atribuídas a bardos de existência mais ou menos histórica. Esses fragmentos foram nos sécs. XI a XIV reunidos em várias coleções de lendas, genealogias fantásticas etc. As canções lembram, de longe, as sagas islandesas da época pagã e, como nestas, as lendas incluem muito material semi-histórico. Os fragmentos formam ciclos em torno de famosos personagens lendários como Cuchulainn e Deirdre, que reaparecerão no séc. XX em obras de escritores irlandeses de expressão inglesa, como Yeats e Synge. A cristianização da Irlanda foi iniciada no séc. V por São Patrício (Patrick), ao qual se atribuem alguns hinos em língua gaélica, assim como ao maior dos monges irlandeses, são Columba. Em mosteiros como Bangos, Iona, Lindisfarne e outros, desenvolveu- se uma igreja semi-independente de Roma, governada por abades em vez de bispos, e de alto nível cultural. São Columba e outros monges itinerantes difundiram essa cultura no continente europeu, fundando em Luxeuil, St. Gallen, Bobbio etc. conventos famosos pela abertura das florestas virgens e pelo culto das letras clássicas. A literatura dos monges irlandeses é escrita principalmente em latim. Na Irlanda, o paganismo sobreviveu em simbiose com o cristianismo, manifestando- se nas “visões”, relatos de viagens fantásticas para remotas ilhas de felicidade, meio paraíso erótico e meio paraíso cristão. As canções populares dessa época são francamente eróticas.

A partir da conquista da Irlanda pelos Ingleses, no séc. XII, os bardos relatam os feitos heroicos das grandes famílias a que pertencem: agora já se trata de personagens históricos, alguns de notáveis talento poético, como Donough Mór O’Daly ou Tadhg Óg O’Higgin. Intensificam- se as relações com o continente europeu e aparecem versões gaélicas do ciclo de Tróia, do ciclo de Alexandre Magno, mas também de lendas especificamente célticas: as lendas do rei Artur e Távola Redonda e do Santo Graal. São numerosas as biografias de santos e os anais, como os do mosteiro de Innisfalle e outros.
No País de Gales a literatura celta é a única que sobrevive até hoje. Mas é também aquela da qual subsistem as mais antigas poesias de valor indubitável. No séc. VI d.C., Taliesin, Myrddin e Llywarch Hen são três poetas de expressividade surpreendente, antecipando o lirismo (de outras literaturas européias) da Idade Média. É na literatura galesa que sobrevivem as versões mais antigas das lendas em torno do Rei Artur e dos seus cavaleiros. A fonte é a Historia Britonum, de Geoffrey of Monmouth, que conta a história lendária dos bretões, de Brutus até o séc. VII. A versão poética desse ciclo de lendas é o Mabinogion (Disciplina) , a obra principal da literatura galesa antiga. Em sua forma atual, o livro é do séc. XIV, mas os 11 relatos que o compõem são de origem muito mais antiga. O conteúdo é semi-histórico.

Assim como a literatura escocesa exerceu no séc. XVIII influência decisiva em todas as literaturas europeias, assim na Idade Média a literatura da Bretanha: as lendas do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda e as do Santo Graal formam a Matière de Bretagne, isto é: através da Bretanha chegaram essas lendas à França, e da França espalharam-se na Europa inteira. Mas em língua bretã só subsistem fragmentos dessa “matéria”, que datam do séc. XV.

Bibliografia Consultada:

FRAZER, Sir James George. O Ramo de Ouro. Zahar Editores S.A., Rio de Janeiro, 1982.

CÉZAR, Júlio. Comentários Sobre a Guerra Gálica. Coleção Universidade de Bolso. Ediouro, Rio de Janeiro – RJ.

SALVAT EDITORA DO BRASIL. História da Arte, Tomo 3. São Paulo, 1978.

ENCICLOPÉDIA MIRADOR.

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