Texto: Lara Moncay
Seth governava toda a terra vermelha do Alto Egito. Nestas terras o antílope saltava em meio a vegetação escassa, cães selvagens percorriam a areia fria sob o clarão da lua e javalis revolviam com o focinho, o chão entre as rochas. Ali os homens se agrupavam, banhando-se no sangue vermelho da caça, cobriam a cabeça com peles de animais e se escondiam das rajadas de areia. Seth casou-se com a sua irmã Neftis, mantendo a tradição iniciada pelos seus antecessores divinos. Mas Neftis não ficara satisfeita com o matrimônio, porque ela amava Osiris. A raiva de Seth afastava-o cada vez mais do conforto da esposa. Ele deixava Néftis muito tempo sozinha. Todas as noites ela entrava furtivamente no jardim do palácio de Ísis e Osíris para ter o consolo de estar perto dos irmãos, para ouvir os belos cantos de Ísis. A cada dia que passava, Néftis procurava tornar-se mais parecida com Ísis. Fazia pequenas tranças em seus cabelos, perfurmava-os com óleo de Lótus e a pele com cinabre. Pediu à Heket, a deusa-rã, guardiã das transformações para que todos a confundissem com sua irmã.
Vestida como Ísis, chegou sozinha ao jardim do palácio onde sentou e chorou. Foi ali que Osíris a encontrou, triste e bela. Confundindo-a com sua irmã e esposa, Osíris deitou-se com ela. A barriga da deusa Néftis ficou dura e redonda, e para que Seth não desconfiasse de sua gravidez, ela se trancou no quarto e impedia que qualquer um viesse visitá-la. Foi então que, certa noite sob a lua cheia, Néftis deixou o palácio e seguiu para o deserto. Lá, agachada entre as rochas, sozinha, em meio aos uivos dos lobos ela deu a luz a um menino. Não pôde, contudo, levá-lo para casa, temendo que Seth matasse a ambos. Assim, deixou o menino no deserto coberto apenas por um cobertor. Pela manhã, ao trazer a bandeja com leite e frutas, a criada notou que a barriga de Néftis estava mole, não ouvindo choro de criança, percebeu logo o que acontecera. Correu até o rio para avisar Ísis. Embora a criada não o dissesse, Ísis pôde ver a criança em seus olhos, e percebeu que era o filho de Osíris - o único filho de Osíris vivo. Ísis chamou alguns galgos que, farejando, encontraram a criança. A deusa o banhou no rio e o protegeu com feitiços, levando-o para o palácio e criando-o como se fora seu próprio filho. Como Ísis não tinha leite, deu a criança para um dos galgos fêmeas que acabara de dar à luz, para que esta o amamentasse.
A criança, que fora chamada Anúbis ("o iniciador do dia"), cresceu forte e com instintos caninos.
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