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16 de abr. de 2011

Mitologia Chinesa

Por André Bueno (2007); fonte: Templo do Conhecimento

Inseridos num complexo sistema politeísta, os deuses chineses estão entre os mais numerosos do mundo, tornando praticamente impossível contabiliza-los de forma razoável. Isto ocorre graças a incrível diversidade de religiões existentes na China, e a uma longa tradição histórica que tem enriquecido cada vez mais seu folclore e crenças.
Por esses motivos, é sempre complicado fazer uma apresentação sobre a mitologia chinesa. Sua aparência é, para o ocidental desavisado, de um sistema complexo, incoerente, sem uma lógica ordenada tal como a do politeísmo greco-romano. Este engano é compreensível, levando-se em conta o nosso grande desconhecimento sobre a cultura chinesa, além da dificuldade natural que possuímos em tratar com a história de uma civilização que vem acumulado milênios de experiências sobrepostas. Neste pequeno texto, portanto, vamos apresentar algumas das características básicas da religiosidade chinesa e sua relação coma mitologia, além de algumas de suas principais divindades.
Em princípio, devemos saber que este grande número de deuses que compõe o panteão chinês não alcança todas as religiões existentes na China. Tradicionalmente afirma-se que as três grandes crenças chinesas são o confucionismo, o daoísmo e o budismo. Destas, apenas o daoísmo parece compartilhar o culto popular aos deuses, posto que o confucionismo e o budismo desenvolveram-se por caminhos diferentes.
Não sabemos ao certo a datação histórica dessa mitologia. Indicações preliminares apontam para o culto de deuses da natureza durante a época Shang (séculos XVIII – XII a.C.), tal como deus da água, deus do fogo, das árvores, etc. No final deste período, porém, e no início da época Zhou (XII – III a.C.) delineia-se a organização de uma cosmogonia chinesa autêntica, composta por uma corte celeste semelhante a corte do império chinês. Esta seria uma tendência clássica da religião popular chinesa: o mundo do além é igual ao mundo material, e organiza-se da mesma forma que o império chinês. Um mundo é reprodução do outro, e ambos funcionam de forma inter-relacionada.
Esta cosmogonia não parece ter tido grande importância no desenvolvimento da filosofia chinesa em seus períodos iniciais. Confúcio, por exemplo, pouco fala sobre a religião e os deuses; Laozi, da mesma forma, praticamente nada cita. Nenhum mito de criação será comentado, e a cosmogonia será substituída por uma cosmologia, baseada em princípios lógicos e científicos. Desde a época Zhou, pois, as ciências, o pensamento e as crenças das elites possuirão uma tendência a afastar-se da religiosidade popular, exceto pela presença forte e organizada do daoísmo, que a partir do século III a.C. deixará de ser um sistema filosófico para constituir-se numa prática de cunho esotérico.
Assim sendo, falar dos deuses chineses significa tratar de uma mitologia de características folclóricas e populares, inserida num sistema bastante flexível de crenças que os organiza de maneira liberal e criativa. Apesar de sua possível antiguidade, os especialistas têm buscado tratar estas crenças somente depois o século V a.C em diante, quando podem ser obtidas informações mais seguras das fontes e da arqueologia.
Um dos mitos mais famosos, por exemplo, é o de Pangu. Ele aparece pela primeira vez na iconografia de uma tumba datada do período Han (século III a.C – III d.C.), e parece ter sido importado de alguma das minorias étnicas chinesas existentes na época. O mito de Pangu parece responder a necessidade de um mito de criação nessa religiosidade popular, enquanto os pensadores chineses preferiam apostar no estudo da física e do espaço para responder ao problema.
Pangu teria sido um deus mítico, nascido de um ovo cósmico fundido pelas duas energias primordiais, o yin e o yang. Ele teria separado o céu e a terra, e levou milênios na construção do mundo, sendo ajudado por cinco animais; um dragão, uma fênix, uma tartaruga, um unicórnio e um tigre, que seriam depois considerados os guardiões de pontos cardeais e representantes das forças da natureza. O corpo de Pangu é o universo, seu hálito o vento, seus olhos são o sol e a lua.
Outros deuses importantes na mitologia primordial chinesa são Foxi e Nugua, os fundadores da civilização humana. Estes mitos parecem ser legitimamente chineses, e Confúcio citava Foxi como um patriarca da cultura (mas como ser humano divino e abençoado, e não como um deus). Formando um casal que, por vezes, é apresentado com corpo humano e caudas de cobra (ou dragão), Foxi e Nugua são responsáveis pela difusão das técnicas de domínio da natureza. Foxi foi o descobridor dos guas, os trigramas que interpretam a relação das energias yin-yang e que formam o bagua (oito trigramas) que seriam a base do Yijing, o livro das mutações. Teria também descoberto como manipular os metais, o calendário, praticar a caça, fazer leis, escrever, apreciar a música, entre muitos outros atributos. Já Nugua teria ensinado a medicina, as belas artes e a confecção dos tecidos, embora em outros mitos ela tenha sido a própria criadora dos seres humanos, a partir de moldes de barro, e também a deusa que consertou o mundo após uma grande inundação.
Sheng-nung é um deus que completa esta tríade primordial, tendo vindo depois de Foxi e Nugua para ensinar os seres humanos as artes da agricultura e da botânica. Se na mitologia popular ele é apresentado como um deus que possui uma cabeça de búfalo, Confúcio nos informa que ele teria sido um ser humano especial, tendo conhecido a natureza através de anos de pesquisa e trabalho. Como podemos ver, os chineses desenvolveram esta tendência a mistificar e/ou racionalizar seus próprios mitos, embora não diminuísse sua importância histórica.
Este período mais antigo da mitologia diz respeito a um mundo de seres humanos que ainda luta contra a natureza. Por isso, mesmo que os três patriarcas tenham ensinado como sobreviver às agruras da vida, os homens tem a necessidade de realizar grandes façanhas para assegurar sua existência. É o caso do arqueiro Yi, herói arqueiro chamado a deter a revolta dos sóis. Neste tempo imemorial, a terra era banhada pela luz de dez sóis que se revezavam no trabalho. Quando, porém, eles resolveram apresentar-se todos juntos, a terra começou a ser calcinada pelo calor e as pessoas, juntas com os animais, começaram a morrer. Yi foi chamado e matou a flechadas nove destes dez sóis, deixando um para iluminar a humanidade. Vejam aqui a contradição – nunca explicada – de como os olhos de Pangu seriam os astros e depois, na história de Yi, surgem dez sóis, o que mostra que o Pangu parece realmente não pertencer, de forma original, a mitologia chinesa. A mulher de Yi, Zhang, seria também famosa por roubar e ingerir um elixir mágico que a levou até a lua, tornando-a deusa deste astro.
A Humanidade ainda teria que enfrentar os chamados Dramas Universais, tal como a grande batalha entre Huangdi, o primeiro soberano mítico e Zhouyi, um ambicioso demônio-homem, que quase destruíram a Terra. Com um exército composto por seres fabulosos, deuses, animais sagrados e seres humanos, o imperador Amarelo deu combate e venceu definitivamente o vilão, não sem antes ter de enfrentar diversos perigos mágicos e calamidades da natureza. Considerado o sábio patrono da medicina e das artes alquímicas, Huangdi teria sido também o descobridor da bússola e de vários instrumentos técnicos. No final da vida, atingiu a imortalidade e voou para o céu nas costas de um dragão.
Já neste momento encontramos um panteão politeísta organizado em moldes semelhantes ao da vida na terra, como havíamos indicado anteriormente. Este panteão é presidido por um deus supremo, Shangdi (soberano do alto), também chamado de Yuhuang shangdi – imperador de Jade do alto. Presidia uma enorme burocracia celeste, encarregada de aferir a vida dos mortais e administrar-lhes benefícios ou punições. Sua mulher, Wangmu, era padroeira das mulheres e dos partos, além de matrona das artes. Ninguém sabe sua origem; a mitologia diz que ele pode ter surgido de um “soberano primeiro de perfeita pureza”, ou ainda, um antigo imperador desconhecido que, ao morrer, recebeu a ordenação do céu. Tal como no Olimpo grego, Shangdi e sua corte habitavam numa montanha chamada Kunlum, tida como sagrada pelos antigos chineses.
O imperador celeste era acompanhado por um grande número de deuses auxiliares, responsáveis pela administração da natureza e das tarefas propiciatórias ou punitivas. Num primeiro escalão, podemos situar os deuses das regiões, dos pontos cardeais (acompanhados pelos animais celestes) dos domínios (montanha, mar, lagos, rios, etc.) e os padroeiros das cidades, que eram acompanhados pelos deuses das tarefas. Estes, mais populares entre os chineses, são conhecidos por sua ação intercessora junto aos deuses maiores.
Entre eles, podemos citar os Sanxing (Três deuses), que representam os três anseios básicos do povo chinês: Fuxing (sorte), Luxing (fortuna) e Xouxing (vida longa). Às vezes eles são acompanhados de um cão celeste, que afugenta os maus espíritos. Tão bem quistos como estes três deuses são as divindades domésticas, protetoras do lar e da família.
Zaojun é o deus protetor do lar, ao qual todo ano são dirigidas cerimônias especiais. Para que ele traga maior fartura, sua imagem é posta da cozinha, e todo ano Zaojun é convocado a prestar contas, no céu, sobre a família que guarda. Temos também o casal Menshen, protetor das portas e entradas, que afugenta os maus espíritos, e o deus visitante Shoulao, que passeia pelas cidades distribuindo o pêssego da imortalidade de casa em casa. Seus auxiliares (o morcego, a cegonha e o cervo) são considerados sinais auspiciosos de sua presença numa localidade.
As crenças populares chinesas acreditavam na reencarnação, e por isso os deuses da morte eram também bastante respeitados. Ao morrer, a alma da pessoa era levada para o inferno, domínio do deus-rei Yama, onde seria avaliada por um tribunal encarregado de medir seus méritos e erros em vida. Se julgada virtuosa, essa pessoa poderia renascer em uma vida melhor ou ainda, viver eternamente no palácio celeste. Se julgada culpada, porém, ela seria torturada durante algum tempo até purgar suas dívidas, quando então voltaria a terra numa posição condizente com suas necessidades e potencialidades. O tribunal era presidido por Yenlowang, deus que recebia os relatórios do deus da Cozinha, Zaojun, sobre a vida do réu. A decisão, porém, cabia ao juiz supremo da morte, Pankoan, que determinava a pena a ser aplicada. Outro mito diz que este trabalho é atribuição de Tongyue Dadi (soberano do monte oriental), mestre do monte tai e dos subterrâneos, que sempre aparece com um ábaco na mão, contabilizando os pecados.
Outros deuses completam essa extensa relação, tal como Caishuen (deus da riqueza e da fartura), Chenghuan (deus da muralha, patrono da cidade e censor da vida dos homens) e Kuixing (deus dos exames e do estudo).
Uma categoria específica de divindades chinesas é formada por aqueles que, segundo as lendas, já foram seres humanos normais mas obtiveram a divindade por algum grande feito ou descoberta que tivesse beneficiado a humanidade. Mais do que santos, esses heróis passam a atuar como responsáveis por alguma parcela das forças divinas, e os crentes passam então a dedicar-lhes culto tal como qualquer deus antigo.
É o caso, por exemplo, dos deuses da prosperidade, os gêmeos Hehe. Tendo trabalhado muito em vida, os irmãos se tornaram o símbolo de grandes empreendimentos e do esforço. No início de todo o ano, presta-se homenagem aos Hehe para obter graças em negócios ou no comércio. Outro deus famoso é Luban, patrono dos inventores e descobridor do barco, da arquitetura, da engenharia, do guarda-chuva e do carrinho de mão. Os mais conhecidos destes seres humanos que teriam obtido a divindade, porém, seriam os oito imortais daoístas, cujas biografias são facilmente encontradas na história chinesa.
Atuando junto aos homens, os oito imortais estão sempre atentos as demandas dos crentes, pois já foram mortais um dia e sabem de suas agruras. São eles Zhang Guolao, padroeiro da longa vida; Ludong pin, protetor dos sábios e do conhecimento; Zhongli guan, dos militares; Hexiangu, protetora das mulheres; Caoguojiu, dos bons cavalheiros; Hanxiangzi, dos poetas e literatos; Litieguai, dos mágicos, médicos e doentes; e Lancaihe, dos pobres.
Não podemos esquecer ainda de Guanyin, divindade budista altamente prestigiada pelos chineses como a deusa da compaixão e da misericórdia. Tendo sido uma devotada freira budista, Guanyin foi sincretizada com o Buda da compaixão (avalokitesvara), um caso único de uma imagem de deus masculino que ganha forma feminina. Outro deus cuja história é bastante conhecida foi Guangong, ou Guandi (soberano da justiça). Guerreiro famoso na época dos três reinos, Guandi ascendeu ao posto de defensor da justiça encarnando um herói disposto a tudo para defender os fracos e oprimidos.
Esta breve apresentação mostra, pois, a diversidade de deuses que podemos encontrar no panteão popular chinês. Tais tradições encontram-se vivas nos cultos daoístas e xamânicos, espalhados pela China e nas regiões próximas, e convivem plenamente com a veneração aos ancestrais e a valorização da ética em vida. Como afirma Julia Ching, “O senso religioso peculiar dos chineses visa de fato a um harmonioso equilíbrio entre dois mundos, o visível e o invisível, o temporal e o supratemporal. Mas orienta a pessoa humana a procurar sua salvação, ou mesmo sua per­feição, no aqui e agora, particularmente na moralidade das relações humanas como quer o confucionismo, mas também na beleza da natureza como querem os sábios daoístas” – uma outra forma, portanto, de manifestar o sentimento religioso presente no íntimo de cada pessoa.

Bibliografia Indicada:
Ching, J. “O senso religioso dos chineses” in Boff, L. (org.) China e o Cristianismo. Petrópolis: Vozes, 1978.
Ching, S.C. & Luo, L. W. China – Lendas e Mitos. SP: Rosita Kempf, 1984
Christie, A. Mitologia Chinesa. Lisboa: Verbo, 1988.
Coletânea. Mitologias Chinesas. SP: Landy, 2000.
Maspero, H. Taoísmo y las religiones chinas. Madrid: Trotta, 2003.
Palmer, M. Elementos do Taoísmo. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993
Rawson, P. Tao. Lisboa: Del Prado, 1998.
Schmaltz, J. & M. Histórias da Mitologia Chinesa. Porto Alegre: Xerox - Cone Sul, 2000.

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